28/12/12

O que pagam os reformados







A grosseira inconstitucionalidade da tributação sobre pensões

Por António Bagão Félix 28/11/2012

Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal"
por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de
um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a
pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento,
incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal
inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função
dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em
função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma
grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].
Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará
mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual
salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista
viu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).
Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição
extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode
chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as
pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.
Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças
voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que
resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço
contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.
Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva!
Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previsto
no memorando da troika.
Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações
grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos
anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados
"certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares
públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4%
do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais
impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de
aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor...
Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de
capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe
mortal. Noutros casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de
um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que
resultam de planos de pensões contributivos em que já estão
actuarialmente assegurados os activos que caucionam as
responsabilidades com os beneficiários.
Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao
beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente ao longo da
sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de
parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita
CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão
Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a
opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de
uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo
prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha
ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa.
Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem
decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de
solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de
solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa
gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!)
poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um
cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de
trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo
confiscatório, é também claramente inconstitucional.
Aliás, a própria CES não é uma contribuição.
É pura e simplesmente um imposto.
Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa
pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou
comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade.
É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o
rendimento pessoal é único.
Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou
omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque
acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que
as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da
pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem
greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.
Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma
concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do
Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável...).
Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados,
os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes... os que não têm
voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços
ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios
de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser
corajoso com quem não se pode defender.
Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham
deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um
socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista,
insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto
prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da
Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto,
permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma
visão estratégica para o futuro da Segurança Social.
Quem vai a partir de agora acreditar na bondade de regimes
complementares ou da introdução do "plafonamento", depois de ter sido
ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que
agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem
consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e
defraudando irreversivelmente expectativas legitimamente construídas
com esforço e renúncia ao consumo.
Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo  com o
aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova
avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer
"refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura
previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção
pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais
impostos de um Estado insaciável.
Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve
ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para
"legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões.
"Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos.
Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que
custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de
poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga
maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma
vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de
inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal
Constitucional.
PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem da idade de
aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013 (até
agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta de
respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64
anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e
familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o
Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode
aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que
com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a
alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer
dar ao respeito.
PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para
2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas
fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir um
cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem,
evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir
uns míseros euros pelo IVA relativo à saúde... dos seus automóveis
pago às oficinas e à saúde... capilar nos cabeleireiros.

05/12/12

Eça de Queirós, in “Correspondência” (1891) 4/5

Portugal e a crise
“Que fazer? Que esperar? Portugal tem
atravessado crises igualmente más:  -  mas
nelas nunca nos faltaram nem homens de
valor e carácter, nem dinheiro ou crédito.
Hoje crédito não temos, dinheiro também
não  -  pelo menos o Estado não tem:  -  e
homens não os há,  ou os raros que há são
postos na sombra pela política. De sorte que
esta crise me parece a pior - e sem cura.”

Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora” (1867) 2/5

Eça de Queirós sempre actual
“Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição”
“Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de
organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e  o
engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos
que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma
rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela
inveja, pela intriga, pela  vaidade, pela frivolidade e pelo
interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas
vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali
luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há
a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos;
ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de
nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em
volta daquela arena enxameiam os aventureiros
inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos;
há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o
privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, 
foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios,
todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali
com dor e com raiva.
À  escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos,
ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos
dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de
dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.”