24/03/11

(diz )Eleutério Sampaio

Num momento em que o Governo português está demissionário e se aproximam eleições antecipadas, será útil reflectirmos sobre alguns aspectos cruciais:


1 - A conjuntura que se vive nos Estados membros da União Europeia é fortemente pressionada pelas políticas ditadas por um neoliberalismo selvagem e predador da esmagadora maioria dos respectivos povos que não são banqueiros, nem os principais protagonistas dos mercados financeiros que neste momento se arvoram em juízes das medidas tomadas pelos Governo em cada país.

2 - Em nome da necessidade de impor tais medidas, cortam-se rendimentos provenientes de salários e pensões.

3 - O recurso a tais medidas faz-se em nome da necessidade de reduzir o défice dos respectivos Estados membros. Mas um dos efeitos nefastos daquelas traduz-se na forte retracção da economia, pois, reduzidos os rendimentos das populações, reduz-se também o consumo e, como tal, a produção de bens e, concomitantemente, as próprias indústrias entram em crise ou mesmo em colapso.

4 - O efeito seguinte é o da redução ou mesmo supressão dos postos de trabalho e, por conseguinte, o do aumento do desemprego.

5 - Argumentam os fieis discípulos deste neoliberalismo que, para combater o desemprego, há que flexibilizar (ou seja, precarizar) as relações de trabalho, tornando-se mais fácil e mais barato despedir um empregado.

6 - No advento do liberalismo económico do século 19, com a exploração desenfreada das classes laboriosas, desencadeou-se aquilo a que Karl Marx veio a definir como «depauperização crescente», ou seja, crescente empobrecimento de quem trabalha.

7 - Reflectiu também aquele filósofo alemão o estatuto de quem vive exclusivamente do seu trabalho, designando tais personagens como proletários.

8 - Quando hoje em dia se utilizam tais conceitos ou nos referimos a Marx, tal serve bastas vezes para escarnecer de tais reflexões, conotando-as com posturas comunistas.

9 - Mas, independentemente de tais ferramentas conceptuais terem sido utilizadas (abusivamente ou não) por alguns regimes, o fundamental neste momento é reflectirmos seriamente sobre o estatuto da maior parte dos povos, relembrando: o facto de não usufruirem de outro rendimento senão o que resulta do seu trabalho.

10 - Posto isto, torna-se eventualmente mais nítido para nós que as medidas de restrição orçamental vividas no nosso e noutros países da União Europeia não só não defendem os interesses de quem vive do seu trabalho, como, pelo contrário, vampirizam literalmente os recursos de quem menos tem.
Por isso, em nome de todos os que estamos no mesmo "barco" que somos a maior parte de nós mesmos, dos nossos filhos e netos, combatamos quem realmente nos agride com medidas que empobrecem a nossa qualidade de vida, ainda que demagogicamente se proclame que o estão a fazer em nome de todos.
Esse combate travar-se-á em primeira linha nas mesas de voto. E aí há que reflectir seriamente sobre quem nos tem governado e qual a natureza das medidas adoptadas.
Alguns preconizam a constituição de um Governo de consenso partidário. Mas, no meu ponto de vista, no espectro parlamentar só pode haver um de dois tipos de consenso diametralmente opostos: um à direita e outro à esquerda. O primeiro engloba o PSD, o CDS e o próprio PS (independentemente de este último se auto-intitular de esquerda) que têm sido os exclusivos atores da governação deste país ao longo dos últimos
 35 anos, com a agravante de fazerem parte dos tais fieis discípulos do neoliberalismo actualmente reinante. À esquerda, porém, os consensos têm sido mais difíceis. Mas, se os interesses que defendem são mesmo os do povo que dizem defender (e quero acreditar que sim), então está na hora esquecer questiúnculas de mero interesse partidário e privilegiar o que verdadeiramente os une.
Estou convicto que, se este "milagre" à esquerda tivesse lugar, muitos eleitores acreditariam ser possível dar a volta à situação e iniciar-se-ia uma dinâmica de combate com eventuais reflexos à escala europeia.
Alguns argumentarão que um Governo assumindo reais medidas de esquerda não seria tolerado pela União Europeia. Mas não creio que a UE expulse um Estado membro, pois, nesse caso, estaria a desconsiderar a decisão dos eleitores e, por conseguinte, a ferir de morte os princípios democráticos comunitariamente defendidos.
Há, pois, que ter coragem e não nos deixarmos enlear em cantos de falsas sereias.
Se os povos da Europa não encontrarem uma solução no âmbito das instituições democráticas que nos regem, o futuro combate poderá não ser pacífico. Ou será que queremos deixar aos nossos filhos e netos a amarga herança da penúria e da fome?
As ideias que aqui defendo podem ser acusadas de tendenciosas. Mas também não conheço outras que o não sejam.
Bem hajam e lutemos por um futuro melhor!
Eleutério Sampaio



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